quarta-feira

O diabo que o carregue, comandante!


Por Reinaldo Azevedo

Adivinhem quem apanhou ontem, na sessão conjunta que reuniu, no Congresso, meia-dúzia de comunistas pingados para homenagear o assassino Che Guevara? Isto mesmo: a VEJA. Os trabalhos foram abertos pelo petista Tião Viana (PT-AC), presidente interino do Senado. Logo de cara, executou-se (ops!) a música Hasta siempre, comandante. Che, o homem que criou um lema nem tão sucinto para os remédios contra a disfunção erétil, encontrava o seu destino. Na mesa, a deputada Manuela D’Ávila (PCc do B-RS) demonstrava saber cada pedacinho da letra:

Aprendimos a quererte
desde la histórica altura
donde el sol de tu bravura
le puso un cerco a la muerte.

Aquí se queda la clara,
la entrañable transparencia,
de tu querida presencia
comandante Che Guevara.

Tu mano gloriosa y fuerte
sobre la historia dispara
cuando todo santa clara
se despierta para verte.

Aquí se queda la clara,
la entrañable transparencia,
de tu querida presencia
comandante Che Guevara.

Vienes quemando la brisa
con soles de primavera
para plantar la bandera
con la luz de tu sonrisa.

Aquí se queda la clara,
la entrañable transparencia,
de tu querida presencia
comandante Che Guevara.

Tu amor revolucionario
te conduce a nueva empresa
donde esperan la firmeza
de tu brazo libertario.

Aquí se queda la clara,
la entrañable transparencia,
de tu querida presencia
comandante Che Guevara.

Seguiremos adelante
como junto a ti seguimos
y con Fidel te decimos:
hasta siempre comandante.

Aquí se queda la clara,
la entrañable transparencia,
de tu querida presencia
comandante Che Guevara.


Selecionei três versões com a música: uma traz o “povo” cantando as glórias do assassino, há uma outra, roqueira, e vocês podem escolher uma terceira, mais solene, com imagens da revolução. Incrível! Quando lembro que Borges também escreveu neste idioma, penso em como é rica e diversa a experiência humana... Prestem atenção (não no caso do rockinho vagabundo) quando os cantores pronunciam “Guevaaaaaa-aaaaaara”, emprestando certo tom choroso à memória do herói. Desperta em nós os piores instintos.

Apenas 31 parlamentares (de 594!!!) registraram presença, mas a solenidade nunca contou com mais de cinco ao mesmo tempo. O embaixador de Cuba no Brasil, Pedro Juan Nuñez Mosquera, estava lá. Também o presidente da Associação dos Cubanos Residentes no Brasil, Tisso Saenzi. Vou tentar saber por que ele está tão longe do seu paraíso. “Che vive no inconformismo e na vontade de mudança por um mundo melhor e mais justo, nas mais diversas sociedades e distintas latitudes", enrolou Viana.

Bravo estava o petista João Pedro, do Amazonas. É aquele valente que anunciou que iria arquivar o pedido de investigação de Renan Calheiros no caso Schincariol sem ouvir ninguém ou fazer uma miserável diligência. Um verdadeiro revolucionário! Chamou de “mentirosa” a reportagem de VEJA que, enfim, narrou a vida de Che como ela foi — em vez dessa hagiografia cretina que tanto seduz as esquerdas.

José Nery (PSOL-PA), autor do requerimento que resultou na homenagem, também discursou e... atacou a VEJA. Disse que a homenagem era importante “justamente em um momento em que setores reacionários da imprensa brasileira fazem ataques virulentos e mentirosos contra a verdadeira história de jovem médico argentino que virou herói latino-americano". E terminou sua fala inflamada com “Viva Che!”. Dois deputados de seu partido, Chico Alencar (RJ) e Ivan Valente (SP), gritaram em coro: “Viva! Viva!”

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que jamais perde a chance de cavalgar um equívoco, afirmou que o comunista argentino deixou cinco lições: tinha uma causa, doava-se a ela, era dotado de coragem, gostava da luta e exibia, acreditem!, “sentimento poético”. O porco fedorento e homicida encontrava o berço do herói.

Ah, sim: a letra é de Carlos Puebla. É a versão poética oficial da carta que Che mandou a Fidel despedindo-se do governo para novas aventuras revolucionárias — isso depois de ter destruído a economia cubana. Essa é a história oficial. De fato, Fidel, seguindo recomendações da União Soviética, deu um pé no traseiro de Che — embora tenha financiado suas aventuras no Congo e na Bolívia.

Como é norma no comunismo, os verdadeiros inimigos de Che estavam todos na sua pocilga ideológica: Fidel, a extinta URSS e o Partido Comunista da Bolívia, que colaborou ativamente na sua captura.

Não custa destacar um trecho da letra:
Tu amor revolucionario
te conduce a nueva empresa
donde esperan la firmeza
de tu brazo libertario.

Nem diga! Tanto esperavam, que os congoleses o botaram pra correr, e os camponeses bolivianos queriam vilipendiar seu cadáver, tal o ódio que lhe devotavam. Só não o fizeram porque acharam que ele se parecia com Cristo morto. Como se vê, o “reacionarismo” da sociedade boliviana ainda o protegeu um tanto.

Foto: mexfiles.wordpress.com/