quarta-feira

A realidade freudiana

O fato concreto – para azar do PT – é que mesmo se as acusações contra Serra e Alckmin estivessem revestidas da mais cristalina verdade elas não teriam valor de face visto tratar-se de informações negociadas no submundo do crime.


A última lambança do PT(será a última da temporada?) vem com grande potencial de piada pronta: o principal protagonista do escândalo, o ex-assessor do Palácio do Planalto ( e amigo pessoal do presidente da República), atende pelo nome de Freud Godoy. Seria cômico...

Não fosse toda a história uma tragédia de erros – os estudiosos do inconsciente humano certamente terão agora um manancial de estudos inesgotável – poderia se dizer que os principais artífices do "dossiê Serra-sanguessuga-alckmin" foram traídos por excesso de ansiedade e pelo sentimento narcísico de onipotência (todos deviam estar se achando verdadeiros gênios da esperteza política) e, com gestos mal calculados, terminaram tropeçando nas próprias pernas e perderam-se em atos falhos formidáveis. O inconsciente grita nestes casos, mostrando nossa capacidade de traição às nossas intenções ocultas. O PT mais uma vez está sendo submetido a um verdadeiro streaptease psicológico

Mas há perguntas que devem ser urgentemente respondidas, visto que se isso não ocorrer de maneira eficiente nesta semana, até o dia da eleição a candidatura de Lula estará sendo novamente confundida com aquela massa informe celebrada recentemente pelo ator Paulo Betti, emanando miasmas nefíticos para todos os cantos.

O PT é um partido notável: mesmo diante de tantas evidências, envolvendo figuras tão próximas do poder, protegidos de alguma forma pelo ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos (que não está permitindo a divulgação das imagens dos R$ 1,7 milhão apreendidos num quarto de hotel em São Paulo nem de Gedimar Passos e Valdebran Padilha, os arquitetos da bandidagem ) muitos militantes insistem ainda em afirmar que tudo se trata de "armação tucana".

O delírio (pra lá de freudiano) embasa-se no seguinte argumento: qual a veracidade do conteúdo do ""dossiê Serra-sanguessuga-alckmin"? Isso é o que deveria ser analisado, afirmam.

E, logo em seguida, vem o complemento psicopatológico consagrador dos que olham os acontecimentos sob este prisma da realidade: o escândalo que coloca oito ou nove personagens do alto petismo (incluindo o presidente da República) está sendo considerado algo acessório, visto que o fundamental e importante é descobrir se as informações do "dossiê" são verdadeiras.

O fato concreto – para azar do PT – é que mesmo se as acusações contra Serra e Alckmin estivessem revestidas da mais cristalina verdade elas não teriam valor de face visto tratar-se de informações negociadas no submundo do crime.

Por isso, toda a questão voltou-se para a descoberta das origens do dinheiro e de qual seria, afinal, o objetivo de toda essa operação maluca. Esses são – para a mídia e a sociedade – os dois grandes mistérios do momento.

Por eliminação, há algumas hipóteses: o dinheiro flagrado parece ser proveniente de caixa 2 de campanha eleitoral, fruto de lavagem que poderia perfeitamente ser originário de cofres públicos. A conferir.

A intenção final seria a de atingir a campanha de José Serra em São Paulo, que ora corre léguas na frente de seu principal oponente, o senador Aluizio Mercadante (mesmo porque a candidatura de Alckmin não vem representando perigo, caso as pesquisas de opinião estejam corretas, mas vá lá saber o que é verdade ou não nesta altura dos acontecimentos...).

Pesquisando a fundo a questão, tudo pode se encaixar quando vier à tona a preocupação quase que obsessiva de Lula com a vitória de Serra em São Paulo. No desenho que ele fez do jogo político pós-processo eleitoral o Serrismo será a força emergente das oposições, capaz de galvanizar energias desestabilizadoras permanentes ao seu eventual segundo mandato.

Lula e sua equipe fizeram uma tentativa ousada para atingir o tucano no flanco, num momento decisivo da campanha. O tiro saiu pela culatra. E Freud ainda não explicou nada, apesar de estar com mandado de prisão decretada. E olha que essa história está apenas começando. Incrível.

Dante Filho, jornalista / artigo publicado no Correio do Estado